quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Falece aos 97 anos, Dona Ana Francisca de Sousa: Uma das artistas populares no sertão baiano

Como neto, fã, historiador e trilhando os novos caminhos de abordagem da História Cultural, ou seja, de uma nova história que vem sendo reescrita, valorizando os feitos de cunho e importância social de nossas classes populares, nos debruçamos a historiar, em resumo um tanto generalista e reducionista, parte da trajetória de vida de Ana Francisca de Sousa – (Vó Dona), através das oralidades ditas por meus pais e tios, principalmente.

Minha avô nasceu em 17 de Janeiro 1914 no povoado de Queimada Velha, pertencente à Ibipitanga - BA, se mudando com um ano para o povoado de Jurema, a cerca de 27Km de Macaúbas - BA. Filha mais velha de Maria Rosa Das Neves, ajudou a criar suas irmãs caçulas numa vida atribulada e dificílima, ligada ao semi-árido. Neste contexto, ou seja, na primeira metade do século XX, a conjuntura do período em questão não era lá das melhores, período das grandes guerras mundiais, a República brasileira ainda decadente, onde o jogo de interesses entre as oligarquias do sul e sudeste prevaleciam, ao passo que floresceu o coronelismo. No sertão da Bahia, famílias convivendo em crises de seca, crise alimentar, crises de muitas coisas, principalmente quando a seca no Rio Paramirim, afluente do Rio São Francisco, ocorria ali, há alguns metros da sua casa de adobe, taipas e forquilhas, de onde se deslocava para buscar água, lavar roupas, louças, regar hortas e tantos afazeres laboriosos. Logo aprendeu com sua mãe, familiares e vizinhos a uma vida de improvisos e lições em meio a caatinga seca que prevalecia.

Destacaremos aqui o seu rico conhecimento nato, a qual consideramos como tantas outras “Anas Franciscas” uma fiel representante da cultura popular, dessas anônimas que não cobrava pelo que fazia e muito menos cultivava dons sensacionalistas. Honesta e dedicada, conhecida popularmente como Vó Dona, tinha simplicidade nas suas ações, modos e costumes tão fortemente ligados ao seu dom para fazer de tudo um pouco, grudada então com a cultura do catolicismo popular, misturado e tão temente às coisas profanas, assim conquistou muitos e caiu no gosto popular como um exemplo de vida a ser seguido. Era doméstica, costureira, responsável por muitos vestidos, as chamadas mortalhas e todo um conjunto de vestimentas sertanejas de necessidades não só da família, além de também ser parteira, animadora e simpática no seu dia-a-dia com seus versos e prosas. Ela irá se destacar socialmente como benzedeira, então por inúmeros ofícios de um talento formidável para a memorização de incontáveis orações, rezas, ladainhas, onde cantava, acenava e dançava em versos e prosas de A a Z, como a nega de Mané Joaquim.

Com a sua mudança para a cidade de Macaúbas em 1981, foi morar no Alto do Cruzeiro, já com a família criada, transportando um rico conhecimento na culinária sertaneja, do cultivo de plantas no seu quintal e se tornando mais popular com o ofício de benzedeira, com atos de cura com seus rosários, ramos, rezas, raízes e chás. Ainda criança testemunhei muitas pessoas que batiam à sua porta, para solicitar orações, seja de vento caído para crianças recém-nascidas, de sol na cabeça, engasgos, quebraduras (conhecida como carne-quebrada), quebrantos e mau olhado, catapora e outras viroses, oração para proteger ao sair de casa, oração do anjo da guarda, para livrar dos temporais, enfim, eram muitas rezas e benzeduras com sua forte e inabalável fé a todos os males. Sua mesinha em madeira rústica repleta de santos ao pé da cama, atesta seus dons e crenças. Ali, durante muito tempo, se realizou o ofício à Nossa Senhora aos sábados e terços caseiros. Muito prestativa, mesmo sendo analfabeta, sem estudos e interesses, praticava a ciência popular.

Esse conhecimento popular ainda é muito desprezado socialmente. Nós, na academia ligadas às ciências e suas erudições, estamos aprendendo esta lição de respeitar e integrar-se ao conhecimento popular. Mas há ainda uma multidão que desconhece, com as gerações mais novas ou grupos desinformados, pois como sabemos, há várias formas de conhecimentos e todos são importantes e deverão ser respeitados. É exatamente isso que a nova história busca... não mais enaltecer os feitos da elite política e econômica tão somente, mas o conhecimento nato das classes populares e desfavorecidas.

A benzeção é um importante elemento social que faz parte da cultura popular do nosso país, as benzedeiras segundo a profª. Drª Grayce Mayre Bonfim Souza, especialista em imaginário e cultura popular, são “terapeutas da medicina popular que cuidam da saúde e do bem estar do povo nas horas difíceis”. Para Carlos Jeová em o Alto da Gamela, ele diz:

Oh, vinde, vinde, benzedeiros, médicos divinos da caatinga!
Vinde espantar os maus-olhados,
As malquerenças e os quebrantos


Vô Dona, esta é uma pequena homenagem em nome da família! Perdoe-nos a omissão de algo da sua pessoa... eu sei que existe muito a ser dito da senhora, um tanto que é impossível escrever agora, mas de uma coisa nós sabemos: todos nós lhe amamos muito, te respeitamos do fundo de nossos corações, com total obediência e sem malquerença com seus favores. Descanse em paz, obrigado e parabéns pelos seus ofícios e função social como: mãe, avô, bisavó, trisavó, costureira, cozinheira e benzedeira, artista popular e que agora reforça ainda mais o nosso orgulho com a sua partida, passando para a nossa memória inesquecível e eterna.

Um Grande abraço a todos!

- José Antônio de Sousa –
::::::::: COORDENADOR :::::::::

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